
A título de benefício para determinados contribuintes1, a legislação tributária prevê um regime simplificado de apuração do IRPJ – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e da CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a partir de suas receitas, qual seja, o do lucro presumido, o qual dispõe de uma alíquota fixa a ser considerada para o cálculo dos referidos tributos.
Especificamente, a lei 9.249/95, ao disciplinar a matéria, estabeleceu, como regra, o percentual de 32% sobre a receita bruta auferida às prestadoras de serviços em geral. Contudo, tendo em conta o papel também extrafiscal da atuação estatal, o legislador previu tratamento diferenciado às pessoas jurídicas prestadoras de serviços hospitalares – e, depois da alteração legislativa dada pela lei 11.727/08, igualmente estendeu tal tratamento também aos serviços equiparados, como de auxílio diagnóstico e patologia clínica -, os quais, então, sujeitam-se ao percentual reduzido de 8% para apuração da base de cálculo do IRPJ, e de 12% para a CSLL. In verbis:
Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do decreto-lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da lei 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este art. será de: […]
III – 32%, para as atividades de:
a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária; […] (g.n.)
Art. 20. A base de cálculo da CSLL devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do decreto-lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos:
I – 32% para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III do § 1º do art. 15 desta lei; […]
III – 12% para as demais receitas brutas. (g.n.)
Da leitura dos referidos dispositivos, nota-se que, para além da natureza dos serviços prestados, há de se atender outros dois critérios, quais sejam, o da organização da empresa como sociedade empresária e, ainda, o atendimento às normas sanitárias da agência reguladora. Assim, seria possível concluir que, uma vez supridos tais requisitos, não haveria óbice para a redução tributária.
Entretanto, a expressão “serviços hospitalares” causou dúvida na prática forense, sobretudo diante da Instrução Normativa da RFB 1.234/122 e do Ato Declaratório Interpretativo da RFB 19/073, os quais restringem o conceito de serviços hospitalares àqueles desenvolvidos estritamente em hospitais. Nesse sentido, tornou-se questão controversa levada aos tribunais se se trataria de um rol taxativo ou se o legislador a dispôs, propositadamente, de forma abrangente. Diante de tal repercussão, portanto, é que a matéria foi julgada sob o rito dos recursos repetitivos pelo STJ (REsp 1.116.399/BA), consolidando o Tema 217:
Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do art. 15, § 1º, inciso III, da lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, de sorte que, ‘em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos’. (g.n.)
Portanto, a partir de tal entendimento, as divergências interpretativas foram dirimidas, restando cristalino que, para fazer jus ao benefício da alíquota reduzida, os serviços prestados devem ser de natureza hospitalar ou equiparada, assim definidos aqueles destinados à promoção da saúde, um direito constitucional, sendo irrelevante, outrossim, se prestados necessariamente em hospital.
Desse modo, coadunando legislação e jurisprudência, tem-se, definitivamente, os seguintes requisitos: (i) a natureza do serviço deve ser hospitalar ou equiparada, devendo ser destinado à promoção da saúde, sendo irrelevante as características do contribuinte; (ii) o serviço será considerado hospitalar ou equiparado independentemente do local onde foi prestado; (iii) o contribuinte deve estar organizado, em termos societários, como sociedade empresária e; (iv) o contribuinte deve estar de acordo com as normas sanitárias da Anvisa. Ainda, consolidou-se que meras consultas médicas não devem ser consideradas equiparadas. Portanto, quaisquer outras exigências por parte da autoridade coatora que tenham o fito de restringir tal benesse de tributação reduzida, deverão ser consideradas inconstitucionais, haja vista a violação ao princípio constitucional da legalidade tributária (art. 150, I, do Código Tributário Nacional).
A partir de tal entendimento, é possível, então, que clínicas médicas, independentemente de sua especialidade, sujeitas ao regime de tributação do lucro presumido, pleiteiem a redução da carga tributária do IRPJ e da CSLL sobre as receitas auferidas em razão de realização de serviços de natureza hospitalar – ou equiparados -, tais como procedimentos cirúrgicos e exames de diagnósticos clínicos, bem como restituam (ou compensem) os valores recolhidos a maior de forma indevida.
FONTE: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-direito-medico-e-bioetica/425129/possibilidade-de-reducao-da-carga-tributaria-para-clinicas-medicas